sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Belo Monte: recuar antes que seja tarde

Pronunciamentos

21/10/2009
Belo Monte: recuar antes que seja tarde atualizado Rosy Lee Brasil


Senhor Presidente,
Senhores Senadores,
Senhoras Senadoras,

No último dia 22 de junho, no Palácio do Planalto, o presidente Lula recebeu uma comissão representativa dos movimentos sociais contrários à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Segundo relatos dos participantes, entre os quais o bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), dom Erwin Kräutler, o presidente assumiu o compromisso de realizar um amplo debate sobre essa polêmica obra, que “não seria enfiada goela abaixo”.

Pois bem. Passados apenas quatro meses da promessa presidencial é justamente isso que está acontecendo, sob o olhar indignado de amplos setores do povo paraense e de boa parte da comunidade científica nacional. O governo federal deslanchou, de forma açodada e autoritária, o processo de licenciamento ambiental do projeto, realizando no mês de setembro simulacros de audiências públicas e, de forma frenética, impõe um cronograma que deve, nos próximos dias, resultar na concessão pelo IBAMA da licença prévia a fim de viabilizar a realização do bilionário leilão ainda neste ano.

Há poucas semanas ocupei esta tribuna para denunciar a farsa das audiências públicas. Fiz coro à corajosa postura dos procuradores do Ministério Público Federal no Pará que têm interposto diversas medidas visando à imediata suspensão deste atropelado e anti-democrático processo.

As audiências, em número de apenas quatro, não serviram, de fato, para ouvir o clamor das populações que serão duramente atingidas pelo projeto. Foram espaços marcados pela falta de transparência e, ainda por cima, ostensivamente controlados por tropas da Força Nacional de Segurança, em aberto constrangimento aos que pretendiam criticar, de viva voz, as muitas falhas e omissões constantes nos 35 volumes, com mais de 2 mil páginas, do processo de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), produzido pelo consórcio de grandes empreiteiras e chancelado pelo IBAMA, sob evidente pressão da Presidência da República.

Não se trata de uma rejeição ideológica e apriorística ao aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu. Trata-se, isto sim, de clamar para que não se repita, em escala ampliada, o desastre socioambiental da usina de Balbina, no Amazonas, de tão triste e lamentável memória.

Por isso, trago neste momento, e peço a reflexão de todos e de todas que compõem o plenário deste Senado, as análises realizadas pelo chamado Painel de Especialistas, que reúne 42 pesquisadores de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, cujos pareceres foram anexados oficialmente ao processo de licenciamento sob o título “Análise Crítica do Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”, protocolado no dia 1º de outubro no escritório do IBAMA, em Belém.

Em primeiro lugar, os especialistas alertam para a complexidade e grandiosidade da obra que se pretende construir. O projeto de Belo Monte compreende três grandes barragens de concreto, vários canais concretados, de 12 Km e 500 metros de largura, cinco represas nas terras firmes, com 28 diques no seu entorno, mais uma grande represa na calha do rio, o que resultará numa movimentação de terra da ordem de 200 milhões de metros cúbicos, volume semelhante às escavações realizadas no princípio do século passado na construção do Canal do Panamá. Para criar uma potência instalada de 11200 MW e uma energia firme de cerca de 4.400 MW, o governo pretende gastar algo entre 11 e 30 bilhões de reais, pois não há sequer acordo sobre o custo total da obra.

Entretanto, o custo maior será social e ambiental. Belo Monte pretende ser construída ao preço da destruição de um extraordinário monumento da biodiversidade – a Volta Grande do Xingu – um dos locais mais maravilhosos do país, com seus 100 quilômetros de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas milenarmente e outras riquezas arqueológicas, enfim, um extraordinário patrimônio natural do planeta.

O impacto humano será sem precedentes atingirá uma área superior a 1000 Km2. Mais de 20 mil pessoas sofrerão deslocamento forçado – ribeirinhos, em sua grande maioria; populações indígenas de diversas etnias serão afetadas fortemente, e o caos social se instalará causado pela imigração de mais de 100 mil pessoas, atraídas, como sempre, pela enganosa promessa de emprego e renda. Além disso, é enorme a chance de que várias espécies – sobretudo de peixes e da fauna aquática – sejam extintas, em meio a uma catástrofe marcada ainda pela insegurança hídrica e alimentar, além da emissão de gases de efeito estufa em enormes quantidades – gás metano, principalmente, que é 25 vezes mais impactante que o gás carbônico .

Em segundo lugar, os cientistas questionam com base em análises lastreadas em anos de estudo, que Belo Monte sequer possui viabilidade econômica. A energia firme só teria viabilidade durante 3 ou 4 meses do ano, uma ociosidade anunciada a um custo econômico e social incalculável.
Cabe perguntar: para beneficiar quem Belo Monte pretende ser construída?

Já está claro que não haverá a anunciada interligação com os grandes mercados consumidores do Sudeste. As linhas de transmissão seriam onerosas em excesso. Então, a energia produzida a esse custo tão elevado seria destinada, quase que unicamente, às indústrias eletrointensivas do alumínio. Notadamente, o complexo Albrás-Alunorte, da Vale, em Barcarena, no Pará, e a usina da Alcoa, no Maranhão. Juntas, estas empresas já respondem hoje pelo consumo de 3% de toda a energia produzida no Brasil. Um escândalo sem precedentes, que desmoraliza o discurso de que Belo Monte se justifica para impedir a repetição de um hipotético novo “apagão elétrico”.

Um dado a mais, somente, para desmistificar o discurso que justifica a obra sob a alegação de que seriam criados milhares de empregos. De fato, no período das obras civis, que se estenderão por alguns poucos anos, milhares de postos de trabalho mau remunerados, especialmente na construção civil, servirão para atrair uma legião de incontáveis trabalhadores, com pouca ou nenhuma qualificação. Após construída, a usina deverá empregar algo como 700 empregados. Isso mesmo: R$ 30 bilhões para criar apenas e tão somente 700 empregos permanentes!!

E não se alegue que na indústria do alumínio os prometidos empregos serão gerados, justificando as perdas e danos. Este setor eletrointensivo emprega apenas 2,7 pessoas para cada GWh de energia consumida, um saldo indecente que perde apenas para as usinas de ferro-liga, que geram apenas 1,1 emprego por GWh. Como se sabe, esse ramo de commodity de exportação gera muitos empregos, sim, mas no exterior. Na China, principalmente, enquanto a tragédia socioambiental continua sendo imposta aos habitantes de nosso país.

Em suma, o Painel de Especialistas afirma que o EIA-Rima de Belo Monte está marcado pela inconsistência metodológica, ausência e falha de dados, correlações que induzem ao erro e/ou a interpretações duvidosas, além de utilizar uma retórica para ocultar os pesados impactos que serão gerados.

Sobre estes impactos, alem principalmente para as conseqüências desastrosas decorrentes do subdimensionamento da “área diretamente afetada” e da “população atingida”, afirmando categoricamente que é certo, ao contrário do que promete o IBAMA, que serão afetadas diversas populações indígenas, em especial os grupos Juruna, Arara, Xipaya, Kuruaya e Kayapó, que, imemorial e tradicionalmente, habitam as margens da Volta Grande do Xingu. Só este último aspecto já seria determinante para o cancelamento do processo, porque as nações indígenas não foram ouvidas, em aberto desrespeito ao ditame constitucional.

É preciso que se diga, com a consciência da extrema gravidade do momento que vivemos, que nem tudo está perdido. Ainda há tempo para que o governo Lula tenha a sensatez de mandar sustar esse processo, abrindo um efetivo, urgente e indispensável debate com a sociedade brasileira. Repito: ainda há tempo, antes que se consolide, de maneira irremediável, um dos maiores crimes contra os povos da Amazônia e contra o futuro de todo o povo brasileiro.

Senado Federal, 21 de outubro de 2009.

Senador José Nery Azevedo
Líder do PSOL

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