segunda-feira, 8 de junho de 2009

Índios querem ter RG com aldeia, etnia e nome dado por pajé

Índios querem ter RG com aldeia, etnia e nome dado por pajé
Publicada em 08/06/2009 às 13h25m
Cleide Carvalho - O Globo; TV Moreno
SÃO PAULO - Os índios querem ter carteira de identidade com etnia, aldeia a qual pertencem e, se necessário, dois nomes: o escolhido pelo pajé, na hora em que nascem, e o comum, aquele que costumam usar na hora de arrumar trabalho, estudar ou abrir conta em banco. A proposta, a ser encaminhada ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público Federal, foi aprovada na Aty Guassu (Grande Reunião), que reuniu cerca de 300 índios na aldeia Taquara, no Mato Grosso do Sul, encerrada no último sábado.

Muitos índios não têm documentos. Eles costumam ter uma carteirinha da Funai com nome, etnia e aldeia, mas ela não substituiu a carteira de identidade nacional. Vários deles, porém, temem tirar uma carteira de identidade e deixar de ser reconhecidos como índios.

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A questão do nome tem um significado muito importante para os índios, que vai além de um número. O nome identifica a espiritualidade
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- A questão do nome tem um significado muito importante para os índios, que vai além de um número. O nome identifica a espiritualidade. Quando o pajé dá um nome, a escolha vem de uma inspiração, não de um decidir: quero este ou aquele - explica Egon Heck, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul.

A maior preocupação dos pajés e das comunidades indígenas, segundo Heck, é que a carteira de identidade reforce o discurso daqueles que dizem que os índios atuais não são mais índios e, portanto, não devem ter proteção do Estado.

O cacique Ambrósio Vilalba, um dos atores do filme Terra Vermelha, por exemplo, teve que fazer outra identidade para abrir uma conta no banco.

- Não me tira de ser índio e nem de outro jeito também. Eu continuo sendo índio, sendo da mesma etnia. Isso ninguém me tira - afirma o cacique da aldeia Guyraroka.

A falta de informação sobre a origem dificulta a realização de pesquisas. Heck lembra que, ao buscar informações sobre o número de índios presos, não se chega a lugar algum, já que os que têm carteiras de identidade comum não são identificados como índios.

Os índios do Mato Grosso do Sul - estado que concentra maior número de suicídio entre os indígenas - decidiram ainda buscar um entendimento entre o governo federal e o governo do estado para que as terras indígenas, já homologadas e demarcadas, sejam devolvidas. As terras indígenas no estado foram há muito invadidas por fazendeiros, que querem indenização do Estado para deixá-las. No total, o estado tem 36 áreas indígenas e foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público para que elas, de fato, sejam repassadas às comunidades indígenas.

Porém, o estado vem sendo cada vez mais ocupado por usinas e plantações de cana-de-açúcar. Calcula-se que cada usina demande pelo menos 30 mil hectares de cana para ser implantada. Se o governo não efetivar logo a demarcação das terras indígenas e o repasse às aldeias, os conflitos tendem a se acentuar, segundo o Cimi.

Mato Grosso do Sul é o estado com maior número de indígenas encarcerados

Mato Grosso do Sul é o estado com maior número de indígenas encarcerados
08/06/2009 - 19h38 ( - Agência Estado)

Relatório estatístico do Ministério da Justiça aponta que, em junho de 2008, o estado mantinha 134 índios detidos. O número colocou o Mato Grosso do Sul na posição de estado com maior número de indígenas encarcerados. Santa Catarina e Roraima, os dois segundos colocados, possuíam época 45 detentos índios cada

O registro de abril é cerca de 48% maior do que o dos 101 detentos contabilizados em dezembro do ano passado e mais do que o dobro dos 71 que estavam nas cadeias e penitenciárias do estado em junho de 2006, dois meses depois da prisão do líder Guarani Kaiowá Carlito de Oliveira. O cacique é acusado de ser o mandante da morte de dois policiais civis em um confronto em Dourados (MS), no local reivindicado como Terra Indígena Passo Piraju.

O assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rogério Batalha, rejeita a acusação de assassinato e afirma que o que houve foi uma defesa coletiva da comunidade agredida. Os indígenas envolvidos alegam que foram ameaçados pelos policiais.

O caso de Passo Piraju é relatado por Batalha como um fato que acirrou as tensões entre índios e não índios no estado. Segundo ele, a repercussão dos acontecimentos na região fez com que os índios passassem a ser vistos como pessoas agressivas e violentas.

Em fevereiro deste ano, Carlito de Oliveira foi preso novamente, com mais quatro pessoas, por receptação de objetos furtados. Ele aguardava o julgamento final do crime em prisão domiciliar na aldeia de Passo Piraju.

Batalha qualifica a segunda acusação contra o cacique como absurda, aludindo ao baixo valor dos objetos (copos, cobertores, um armário, um botijão de gás, entre outros itens comuns). Os índios negam a acusação e afirmam que os objetos foram comprados para uso próprio.

Para o presidente da Comissão Especial de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados Brasil (OAB) de Mato Grosso do Sul, Wilson Matos, o caso de Oliveira é emblemático em relação criminalização dos índios.

O representante da OAB acredita que Oliveira e muitos índios de Mato Grosso do Sul sofrem perseguição das autoridades policiais e do Judiciário, o que justificaria, em parte, o elevado número de indígenas presos no estado. Eles [os contrários ao processo de demarcação no estado] acham que o índio encarcerado não vai reivindicar as suas terras, afirmou.

Na avaliação do procurador Marco Antônio Delfino, há uma externalização do preconceito da sociedade sul-matogrossense, principalmente em relação s penas, mais duras quando os réus são índios. Até que ponto há isenção para o julgamento dessas pessoas [índios] na Justiça estadual?, questiona o procurador.

Wilson Matos destacou o fato de grande parte dos promotores e juízes do estado pertencer a famílias de produtores rurais, contrários ao processo de demarcação de terras indígenas no estado. Os juízes e os promotores são filhos das oligarquias, defendem a terra e os fazendeiros, afirmou.

A federalização dos casos judiciais envolvendo indígenas seria uma forma de amenizar o problema, de acordo com o procurador Delfino. Ele citou como exemplo o julgamento dos acusados de assassinar, em janeiro de 2003, o cacique Guarani Kaiowá, Marcos Veron. Em fevereiro deste ano, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, atendeu o pedido do Ministério Público Federal (MPF) e determinou que o tribunal do júri ocorra em São Paulo.

Na ocasião, o MPF afirmou que a mudança no local do julgamento era necessária para garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos supostos envolvidos no crime. Segundo o MPF, duas testemunhas teriam mudado seus depoimentos após serem contratadas para trabalhar em uma das propriedades do dono da fazenda onde ocorreu o conflito.

No pedido pela mudança de local do júri, o MPF também mencionou as manifestações do juiz estadual que preside o Tribunal do Júri da comarca de Dourados, Celso Antônio Schuch Santos. Em um julgamento presidido por ele, o magistrado teria se manifestado oralmente contra os indígenas e contra o procurador responsável pelo caso. Foi também anexado ao pedido um laudo antropológico confirmando a existência de preconceito contra os indígenas por parte da população sul-mato-grossense, de políticos locais e de magistrados.

No entanto, o procurador Delfino ressaltou que a violência dentro das comunidades é muito forte, por isso, nem todas as prisões de índios podem ser atribuídas criminalização. Segundo ele, essa violência se deve em grande parte situação de confinamento que os indígenas vivem nas reservas e nos acampamentos.

A responsabilidade é do governo federal que deixou os índios abandonados própria sorte, disse Delfino, ao se referir ao grande número de índios concentrados em reservas sem qualquer tipo de segurança.

Em entrevista Agência Brasil, a juíza da 1ª Vara Criminal de Dourados, Dileta Terezinha Souza Thomaz, negou que haja perseguição a indígenas em Mato Grosso do Sul por parte da Justiça Estadual e da polícia do estado.