quarta-feira, 29 de abril de 2009

STF analisa 22 ações envolvendo terras indígenas; especialistas temem condicionantes do caso Raposa/Serra do Sol

Mato Grosso do Sul, Quarta-Feira, 29 de Abril de



Após 40 dias do emblemático julgamento que decidiu pela demarcação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda não definiu se as 19 condicionantes estabelecidas na ocasião do julgamento para os processos demarcatórios no país também serão válidas para terras que foram demarcadas antes do julgamento da Raposa/Serra do Sol. Tramitam no Supremo 22 processos referentes à demarcação de terras indígenas.

Duas ações que podem ser julgadas em breve devem definir como e em quais demarcações as condições serão impostas, segundo a assessoria do tribunal. Essas ações acusam a União de não respeitar as 19 condicionantes na demarcação das reservas Porto Lindo, no Mato Grosso, e Wa Wi, no Mato Grosso do Sul.

O indigenista e ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) Sydney Possuelo teme as consequências das 19 condicionantes impostas pelo Supremo no julgamento de Raposa/Serra do Sol.

"O STF simplesmente decidiu o óbvio [a demarcação contínua] e impôs restrições que até então não existiam. Com as condicionantes, o Estado, por exemplo, pode construir estradas na terra indígena sem consultar os índios e o Exército não precisa avisar as aldeias se quiser entrar na reserva. Na minha avaliação, a decisão do STF foi um retrocesso. Os índios saíram perdendo", afirma.

Com a demarcação de Raposa/Serra do Sol, 11,57% do território nacional passou a ser ocupado por terras indígenas regularizadas, ou seja, áreas que só podem ser ocupadas por indígenas. O prazo para a saída de não índios da reserva se encerra nesta quinta-feira (30).

Embora acredite que há um número razoável de terras indígenas no Brasil e reconheça que as condicionantes não deverão atrapalhar o processo de demarcação de novas áreas, Possuelo questiona a validade dessas terras para os indígenas a partir das restrições impostas pelo STF.

"Não adianta ter uma grande área ocupada por terras indígenas, se o índio não tem o controle do território, se o Estado tem o poder de entrar na reserva e fazer o que bem entender", afirma. "O índio realiza todas as atividades vitais na terra indígena. É o habitat dele. Quando o Exército ocupa uma propriedade privada, é obrigado a indenizar o proprietário. A polícia só pode entrar em uma propriedade particular se tiver algum mandado. Porque com os índios tem que ser diferente?", diz Possuelo.

Cesário Ramalho da Silva, presidente da Sociedade Ruralista Brasileira (SRB), apoia a decisão do Supremo de impor as condicionantes. "O Estado é absoluto. Não pode abrir mão dessas terras. O Estado, o Exército e a Polícia Federal têm que ter acesso à terra indígena sem precisar da anuência dos indígenas. Os índios precisam se sujeitar às regras do país", afirmou.

Já para Roberto Liebgott, filósofo e vice-presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), se as restrições do STF retroagirem, precedentes "terríveis" serão abertos. "Na nossa avaliação, no que tange à Raposa/Serra do Sol, a decisão do STF atendeu ao povo de Roraima, mas se as 19 condicionantes retroagirem e forem aplicadas em novas demarcações, o Supremo abrirá feridas já cicatrizadas e reacenderá conflitos e tensões", afirma.

Segundo Liebgott, as restrições darão "subsídios para invasores de terras indígenas questionarem na justiça a legalidade das demarcações". "Acredito que haverá um grande número de processos judiciais que tornarão inviáveis as demarcações", diz.

Diante das condicionantes, Possuelo acredita que os povos indígenas terão dias difíceis no futuro. "O STF não pode criar leis. Impor as restrições é subjugar os povos indígenas aos interesses nacionais", afirma.

Congresso discute projeto que dá ao Senado poder de aprovar demarcações e prevê indenização a não índios
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado pode votar nesta quarta-feira (29) proposta de emenda à constituição (PEC) determinando que a demarcação de terras indígenas tenha de ser aprovada pelos senadores


Outros processos
Um dos processos que deve ser julgado em breve é o da reserva de Caramuru Catarina Paraguaçu - habitada por 4,5 mil índios pataxós hã-hã-hãe -, que se estende por cerca de 54 mil hectares no sul da Bahia, região fértil para o cultivo de cacau. A reserva foi declarada como terra indígena em 1930, mas ainda não foi homologada pelo presidente da República.

Alguns fazendeiros da região obtiveram do governo da Bahia títulos de posse e continuam na reserva. A Funai entrou com uma ação cível no STF para reverter a situação. O julgamento foi suspenso em setembro passado após o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pedir vista do processo.

Antes, o relator, ministro Eros Grau, havia votado pela declaração da nulidade de todos os títulos de posse emitidos pelo governo da Bahia aos fazendeiros da área. O processo tramita na Justiça há 25 anos.

"Vários casos não foram resolvidos. A morosidade da Justiça é sempre contrária aos interesses dos índios. Enquanto a Justiça não decide, os invasores de terras indígenas constroem, plantam, colhem, ganham dinheiro e os índios ficam na periferia das reservas, pedindo esmola", afirma Possuelo.

Para Liebgott, atualmente a posse não está garantindo aos indígenas o controle da terra. "Grande parte das terras demarcadas está invadida por posseiros, grileiros, garimpeiros, entre outros. O governo deveria cumprir seu dever, regularizar essas terras e aplicar políticas de proteção e fiscalização", diz.

O STF também deve julgar neste ano as ações da Agropecuária Serra Negra Ltda. contra a União e a Funai. A empresa quer recuperar posses na reserva Parabubure, no leste do Mato Grosso, onde vivem mais de 3.000 índios xavantes. A área, que já foi registrada como terra indígena, possui 225 mil hectares. O impasse dura pelo menos 28 anos.

No Rio Grande do Sul, há 15 anos a Funai tenta retomar propriedades localizadas na reserva indígena caingangues do Iraí, no noroeste do Estado, onde vivem 427 índios caingangues. A entidade entrou com uma ação no STF contra o governo do Estado para devolver as terras aos índios.

Já em Santa Catarina, particulares entraram em 2007 com ação no STF para questionar a demarcação da reserva Ibirama-Klanô, localizada no Vale do Itajaí. Em uma área de 37.018 hectares, vivem 1.468 das etnias guarani mbya, guarani ñandeva, caingangue e xoclengue. A terra ainda não foi homologada pelo presidente.

"A cada governo que os índios conseguem sobreviver, já é uma vitória. Aqui no Brasil eles estão cada vez mais aculturados", diz Possuelo. "Os povos indígenas estão submetidos à nossa lei, ao nosso código civil e penal. Eles são dependentes de poderes aos quais eles não concordam e sequer criaram. O futuro dos índios não depende mais deles próprios, mas da compreensão, boa vontade, amor, afeto, e responsabilidade dos brancos", afirma.

Para o presidente da SRB, "a terra em si não resolve o problema do índio". "É necessário produzir nela, usando tecnologia. O índio precisa se educar, ser incluído na sociedade e aprender a operar equipamentos agrícolas para se tornar um produtor", diz.

Liebgott, por sua vez, aposta na capacidade de mobilização e intervenção dos povos indígenas. "Os índios estabeleceram uma relação de cobrança e diálogo com o poder público. Acredito que esse protagonismo do indígena fará com que seus direitos sejam assegurados", afirma.


Fonte: UolNoticias

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