terça-feira, 14 de abril de 2009

A Reserva Raposa Serra do Sol será ocupada só por índios.

Como já era previsto, o STF concluiu o julgamento sobre a validade da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, nesta quinta-feira (19), com 10 votos favoráveis e 1 contra e determinou também a saída imediata dos não índios que ainda ocupam a reserva.

Em seu voto, apesar de defender os limites contínuos da reserva, o ministro Gilmar Mendes criticou o governo quanto ao "abandono dos indígenas".

“Os índios estão entregues um pouco a própria sorte. Há um abandono completo do poder público. Faz-se a demarcação e nada mais”.

O STF definiu que o TRF da 1ª Região fiscalizará a atividade da Polícia Federal quanto ao cumprimento da retirada dos não índios e juntos estabelecerão um cronograma, que será definido possivelmente até nesta sexta-feira (20).
Ayres Britto disse que primeiro precisa conversar com o ministro da Justiça, Tarso Genro, e com o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, desembargador Jirair Aram Meguerian, para se informar da situação no local. “Preciso de um quadro factual, de alguém que me trace o quadro, que faça alguns prognósticos, que me ofereça sugestões”.

As questões relativas as indenizações não devem interferir na saída dos fazendeiros da região, disse ainda o ministro. “Esses processos são paralelos, correm na justiça comum e não têm nada a ver com o STF”, explicou. Quanto à existência de plantações na região, que ainda estariam para ser colhidas, o ministro explicou que como a retirada dos fazendeiros foi suspensa por uma liminar (AC 2009), “quem plantou nesse período, plantou por sua conta e risco”.

O Ministro Ayres Britto, acha que a retirada será feita com tranquilidade e rapidez.
“Não há mais clima para confronto. Ordem judicial é para ser cumprida, notadamente uma ordem da Suprema Corte”.

A possibilidade de ampliação das terras indígenas já demarcadas foi um dos pontos mais discutidos pelos ministros

Para o ministro Carlos Ayres Britto, a restrição só poderia valer para a reserva em questão, não para as demais terras indígenas. Contudo, na opinião de Direito, uma vez feita a demarcação, não deve haver ampliação da reserva.

“A ampliação vai gerar consequências gravosas para aqueles que, uma vez feita a demarcação e executada a demarcação, possam adquirir direitos em função dessa demarcação”. “Se admitirmos que pode haver a ampliação, todo momento nós vamos ter esse embate”, acrescentou Direito.

O ministro Cezar Peluso reforçou essa linha de entendimento ao comentar que no ato da demarcação fica reconhecido que a área corresponde à posse efetivamente aprovada. “Se admitirmos que a área demarcada pode ser ampliada, isso significa que é duvidosa a área ocupada. Se deixarmos em aberto a possibilidade de discussão dos limites da demarcação nós deixaremos em aberto para todos os efeitos – não só para ampliação – o alcance da posse”, ressaltou.

As 18 restrições sugeridas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que foram aceitas, debatidas, melhoradas e acrescidas em mais um item, servirão como uma "cartilha" que terá de ser respeitada por índios, ONGs e pela FUNAI, servindo também como fundamento para novas ações.

As 19 condições estabelecidas para demarcação e ocupação de terras indígenas terão os seguintes conteúdos:

1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;

2 - O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;

3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;

5 - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

8 – O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;

10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;

11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;

12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;

14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade jurídica;

15 – É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;

16 - As terras sob ocupação e posse dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;

17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.

19 – É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.

Novo estatuto retira de índios a condição de inimputáveis


Novo estatuto retira de índios a condição de inimputáveis
Pela proposta, Justiça terá de avaliar se acusado de cometer crime tem noção da ilegalidade do ato
escrito por
Felipe Recondo, BRASÍLIA

Uma mudança na legislação bancada pelo governo permitirá que a Justiça puna os índios que cometem crimes com o mesmo rigor com que são julgados os demais brasileiros. O texto do novo estatuto dos povos indígenas, que substituirá a legislação de 1973, será fechado no fim deste mês e define que os índios não são inimputáveis e têm plena capacidade para compreender o significado de seus atos. Para condená-los, a Justiça precisará avaliar se o ato praticado está de acordo com os usos e costumes da comunidade indígena a que pertence e se o índio tinha consciência de que cometia uma ilegalidade.

O novo texto corrige uma incongruência da legislação brasileira. O estatuto dos povos indígenas, que vigora desde 1973, diz que o índio é inimputável, ou seja, que não pode ser punido por seus atos porque não teria condições de saber o que é certo ou errado. A Constituição de 1988, por outro lado, diz que os indígenas podem ir à Justiça defender seus interesses. Poderiam, portanto, ser punidos também por seus atos. A divergência entre as normas criou situações antagônicas no Judiciário. Em alguns casos, os índios ficavam impunes; em outros, mesmo sem a perfeita noção de que haviam cometido um crime, eram julgados com o mesmo rigor que o não-índio.

Para evitar decisões que se choquem, o novo texto exigirá a produção de um laudo antropológico que determinará até que ponto aquele índio sabe que a conduta praticada é criminosa e para investigar se o ato está ou não de acordo com os valores culturais de seu povo. Essas informações serão consideradas pelo juiz na hora de dar o veredicto. Se o ato praticado for ao encontro de seus valores culturais e costumes da comunidade a que pertence, o índio não será punido. Caso contrário, será julgado como qualquer brasileiro. Além disso, a Justiça poderá livrar o índio que já tiver sido punido por sua comunidade.

CIDADÃO

O propósito central do novo estatuto é superar a ideia de que o índio pode ser tratado como "um débil mental", como traduziu um integrante do governo, e colocá-lo no mesmo patamar que qualquer cidadão. "A lei não vai mais tratar o índio como inferior, incapaz, mas como cidadão brasileiro com direitos e deveres, respeitados seus usos e costumes", disse o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira. "O índio tem a capacidade de entender o que é certo ou errado, mas isso deve ser analisado de uma forma nova pela Justiça", acrescentou o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay.

De acordo com o texto, que precisa ser aprovado pelo Congresso, cabe somente aos juízes federais decidir sobre as disputas que envolverem direitos indígenas. E, quando forem julgar um índio acusado de algum crime, deverão obrigatoriamente pedir uma perícia antropológica para saber se o acusado tinha ou não consciência de que o ato era ilegal - isso nem sempre é feito hoje. Os índios, por sua vez, terão direito a um intérprete, para que se defendam com mais desenvoltura em sua própria língua.

A proposta pode tirar da Funai a incumbência de defender os índios perante o Judiciário. O Ministério da Justiça entende que, com o fim da tutela, não cabe a um órgão do Executivo fazer a defesa pessoal dos indígenas. Como qualquer brasileiro, os índios seriam representados pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público - a saída da Funai encontra resistência entre índios e dentro do próprio órgão e, por isso, esse ponto ainda vai passar por uma discussão mais aprofundada.

HÁ 18 ANOS

Um projeto de atualização do estatuto dos povos indígenas, de autoria do hoje senador Aloizio Mercadante (PT-SP), tramita no Congresso há 18 anos. Em 1994, um texto alternativo foi aprovado, mas um recurso apresentado pelo PSDB acabou por deixá-lo parado na Mesa da Câmara desde então. De lá para cá, vários outros projetos foram apresentados para alterar pontos da legislação, como o tratamento penal dos índios, possibilidade de exploração de recursos minerais e hídricos em terras indígenas e mudanças na forma de demarcação. Nenhum avançou.

A um ano e meio das eleições de 2010, o grande desafio do governo e das organizações indígenas é garantir que o novo esforço por um estatuto atualizado não acabe também parado na Câmara. O presidente da Funai diz acreditar na aprovação do texto, especialmente por ser uma proposta construída em consenso entre governo, líderes indígenas e sociedade civil.

"Nós avaliamos que estamos num momento de amadurecimento. Por muito tempo, o governo ia para um lado, o movimento indígena ia para outro e a sociedade civil ia para um terceiro lugar. Temos hoje um ambiente favorável para recuperar a ideia de um novo estatuto, de um documento que seja de entendimento entre os povos, governo e sociedade civil", disse Meira.




NOVA VIDA LEGAL


CRIMES

O novo estatuto - O índio é capaz de distinguir o certo do errado e deve ser responsabilizado por crimes que cometa. Os juízes deverão providenciar perícia antropológica. O índio que praticar ato em virtude de seus valores culturais será isento de pena

Estatuto de 1973 - O estatuto de 1973, que ainda está em vigor, deixa o índio sob a tutela do Estado e determina que os indígenas são inimputáveis. Isso significa, na prática, que não podem ser punidos pelos crimes que eventualmente cometam

Como é hoje - Os juízes não seguem regra predefinida. Alguns pedem que um laudo antropológico para saber se o indígena tem noção do ato que cometeu. Outros o punem como um criminoso qualquer, independentemente dos valores culturais


MINERAÇÃO

O novo estatuto - É permitida a mineração em terras indígenas. Empresas poderão pesquisar e explorar recursos minerais, desde que tenham assentimento dos índios. Para isso, deverão pagar contrapartidas aos povos e compensar eventuais danos

Estatuto de 1973 - Pelo estatuto de 1973, a exploração "das riquezas do solo" cabe somente aos índios. A autorização para exploração de recursos do subsolo estava condicionada ao prévio "entendimento com o órgão de assistência ao índio"

Como é hoje - A exploração de riquezas minerais em terras indígenas por empresas é proibida. A Constituição permite a pesquisa e lavra nessas áreas, mas condiciona a exploração à aprovação de uma lei específica. A legislação nunca foi votada


CULTURA

O novo estatuto - Pelo novo estatuto, o Estado deverá preservar, proteger, valorizar, difundir

e fazer respeitar a organização social das comunidades indígenas brasileiras, incluindo os costumes, as línguas, as crenças e as tradições das tribos

Estatuto de 1973 - O estatuto de 1973 dizia que era dever do Estado preservar a cultura dos indígenas e "integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional". Os índios considerados primitivos pelo estatuto deveriam ser civilizados

Como é hoje - A Constituição aprovada em 1988 reconhece aos índios "sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições" e define que o Estado deve proteger as manifestações culturais dos povos indígenas
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