sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Carta sobre 'morte coletiva' de índios gera comoção e incerteza

Carta sobre 'morte coletiva' de índios gera comoção e incerteza 26/10/2012 | 15h37min A carta dos indígenas Guarani-Kaiowá, anunciando o que foi interpretado por muitos como uma ameaça de suicídio em massa, vem gerando comoção, mas também incerteza sobre o real significado do documento assinado por líderes da tribo. A carta, que teve ampla repercussão nas redes sociais e em portais de notícia do Brasil e do exterior, foi interpretada como um anúncio de suicídio coletivo por parte dos Pyelito Kue, comunidade de 170 indígenas que expôs seu desespero após receber uma ordem de despejo da terra onde vive acampada. Na carta, os indígenas afirmavam que dali não sairiam vivos. O documento fala em "morte coletiva" e afirma que, se insistir no despejo, o Estado estará decretando a morte dos indígenas, exprimindo profunda desesperança no governo e na Justiça Federal. Diante da repercussão do suposto anúncio de suicídio, a Conselho Indigenista Missionário (Cimi) interveio com uma nota de esclarecimento na terça-feira: "Os Kaiowá e Guarani falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais abandoná-las. Vivos não sairão do chão dos antepassados." Porém, nem o Cimi nem outras lideranças indígenas se arriscam a negar a possibilidade de que ocorram suicídios. Membro do Conselho da Aty Guasu, grande assembleia do povo Kaiowá e Guarani, o vereador Otoniel Ricardo disse à BBC Brasil não poder afirmar "que isso não pode acontecer". "São eles que decidem. Se mexer (na terra onde estão acampados), pode acontecer. Se não mexer, eles vão continuar vivendo lá porque o território é deles", diz Ricardo. "O que eles decidiram é que não vão mais sair dali, nem vivos nem mortos. Querem ser enterrados lá mesmo." Na sexta-feira passada, a afirmação categórica por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai) de que "não há intenção de suicídio", em um comunicado, irritou a Aty Guasu. Em sua página no Facebook, lideranças da assembleia disseram que o órgão havia sido "autoritário" e parecia estar "ignorando o fato conhecido de suicídio epidêmico do povo Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul". Por sua localização remota, é difícil estabelecer contato telefônico com o Pyelito Kue. Uma equipe do Cimi foi enviada para o povoado para falar da repercussão da carta e saber suas reações. Despejo Tribo Guarani-Kaiowá detém maior taxa de suicídios no Brasil; grupo enfrenta ordem de despejo A carta que chamou tanta atenção expõe o desespero do pequeno povoado de Pyelito Kue, após receber uma ordem de despejo da Justiça Federal no fim de setembro. Há um ano, o grupo de 170 indígenas vive acampado em terras de uma fazenda à beira do rio Hovy, no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul. "Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui", dizem no documento. "Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais." De acordo com a Funai, a área ocupada pela comunidade está em estudo. "Os estudos precisam ainda ser aprovados e enviados ao Ministro da Justiça para que a terra indígena seja declarada de ocupação tradicional do grupo indígena e seja demarcada." Expulsos de sua terra originária e aguardando há décadas a demarcação das áreas a que têm direito garantido pela Constituição Federal de 1988, os Guarani-Kaiowá são 45 mil brasileiros. Vivem em sua maioria espalhados pelo Mato Grosso do Sul, disputando a terra com o rico agronegócio do estado. Coordenador regional do Cimi para o Mato Grosso do Sul, Flávio Machado afirma que a carta expõe as dificuldades não apenas do Pyelito Kue, mas de toda a população Guarani-Kaiowá, que são a segunda maior população indígena no Brasil. "A carta retrata uma situação dramática daquilo que praticamente todo o povo Guarani-Kaiowá está vivendo", diz Flávio Vicente Machado, coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) para o Mato Grosso do Sul. Violência Nos últimos dez anos, afirma, quase não houve avanços na demarcação de territórios indígenas no país. Enquanto isso, a violência contra indígenas no estado se acirra, com assassinatos de líderes e ataques frequentes de pistoleiros. Nas últimas semanas, segundo o Cimi, diversas comunidades Guarani-Kaiowá sofreram ataques e agressões no estado, como Potrero Guasu, Arroio Korá e Laranjeira Nhanderu. Em repúdio aos ataques, movimentos sociais organizaram um ato em defesa aos Guarani-Kaiowá em Brasília na sexta-feira. Cinco mil cruzes foram fincadas na Esplanada dos Ministérios para chamar atenção para o que manifestantes classificaram de "genocídio". Grupo indígena pode ser expulso de terras ancestrais no Mato Grosso do Sul Na manhã desta quarta-feira, 21 mil pessoas já haviam assinado a petição intitulada "Vamos impedir o suicídio coletivo dos índios Guarani-Kaiowá" no site Avaaz, que mobiliza abaixo-assinados pela internet. A interpretação de suicídio em massa vem ancorada em uma dura realidade: a de que os Guarani-Kaiowá detém um dos mais altos índices de suicídio no país e, de acordo com o Cimi, no mundo. A cada seis dias, um jovem guarani-kaiowá tira a própria vida. Dados do Ministério da Saúde divulgados neste ano mostraram que, de 2000 para cá, 555 indígenas dessa etnia cometeram suicídio, sendo a maior parte dos casos por enforcamento (98%) e cometidos por homens (70%), a maioria deles na faixa dos 15 aos 29 anos. Falta de perspectiva Os índice é bastante superior à média nacional. Em 2007, foi de 65 indígenas por cada 100 mil habitantes, contra 4,7 pessoas a cada 100 mil em todo o Brasil. Estudiosos associam o alto número de suicídios entre as tribos à insuficiência de terras, à falta de perspectiva de ter territórios demarcados e ao confinamento em reservas indígenas. Os índices de homicídio também são alarmantes. Relatórios de violência do Cimi mostram que, nos últimos anos, o Mato Grosso do Sul vem liderando "o triste ranking de estado mais assassino de indígenas": "Os Guarani-Kaiowá são um povo que está sendo culturalmente e politicamente assassinado. Ora pela falta de vontade política do governo, ora por pistoleiros, a mando de fazendeiros", considera Flávio Machado. Na carta dos Pyelito Kue, eles afirmam que quatro pessoas da comunidade já foram mortas, duas por suicídio e duas "em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas". "Já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça Brasileira", afirma o documento. BBC Brasil

Tribo de índios Guarani-Kaiowá ganha tempo antes de deixar fazenda no MS

Tribo de índios Guarani-Kaiowá ganha tempo antes de deixar fazenda no MS Decisão de juiz federal não remete a reintegração de posse Publicado em 26/10/2012 às 16h29: atualizado em: 26/10/2012 às 16h35 Da Agência Brasil copiado e colado por Rosy Lee Brasil Os 170 índios guaranis-kaiowás que há quase um ano ocupam parte de uma fazenda da cidade de Iguatemi, a cerca de 460 quilômetros da capital sul-matogrossense, Campo Grande, e cuja situação ganhou destaque nacional nos últimos dias não terão que deixar a área. A medida vale pelo menos até que a real situação da propriedade seja esclarecida ou que laudos antropológicos descartem se tratar, como afirmam os índios, de terra tradicional indígena. Segundo a Justiça de Mato Grosso do Sul, diferentemente do que os índios, as organizações indigenistas e o próprio MPF (Ministério Público Federal) em Mato Grosso do Sul chegaram a anunciar, a decisão do juiz federal Sergio Henrique Bonachela, da 1ª Vara Federal em Naviraí (MS), constitui liminar de manutenção de posse e não de reintegração da área ocupada por 100 adultos e 70 crianças guaranis kaiowás desde novembro de 2011. A Agência Brasil entrou em contato com a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul na manhã desta sexta-feira (26) e continua aguardando uma posição oficial sobre o assunto. O detalhe jurídico que passou despercebido por muitos pode parecer trivial, mas, na prática, significa que o oficial de Justiça encarregado de fazer cumprir a sentença vai limitar-se a notificar os índios de que o terreno pertence, até prova em contrário, aos proprietários da Fazenda Cambará. O objetivo de uma liminar de manutenção é apenas preservar a posse de quem já vinha ocupando a área até que a situação seja esclarecida. Mesmo assim, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o MPF ajuizaram recursos contra a decisão no dia 16 de outubro e aguardam o julgamento. De acordo com o promotor da República Marco Antonio Delfino, foram os próprios responsáveis pela fazenda que solicitaram a manutenção de posse. A decisão do juiz federal, favorável ao pedido, foi dada no último dia 17 de setembro. Como não há representação da Justiça Federal em Iguatemi, a incumbência de notificar o grupo indígena foi repassada à Justiça Estadual, por meio de carta precatória. Legalmente, o prazo para que o oficial de Justiça local notifique todo o grupo termina no próximo dia 8. O juiz federal diz, em sua decisão, que "nestes autos, não cabe discutir a quem pertencem as terras a que se refere o pedido. A proteção à posse, conferida por meio dessa classe de ações, é conferida até mesmo contra o legítimo proprietário, pois a razão de ser dessa proteção legal é a pacificação social mediante a vedação ao desapossamento por ato de particular, seja violento, seja clandestino". — O reconhecimento do direito do autor [da ação, o dono da fazenda] em nada constitui desprezo ou indiferença com a situação da comunidade indígena, parte mais fraca e vítima da inércia dos órgãos públicos que já deveriam ter feito, há muito tempo, a demarcação das terras que possam lhe pertencer, podendo até mesmo conferir-lhe a titularidade das terras em litígio nestes autos. Segundo o diretor do cartório do Fórum de Iguatemi, Marco Antonio Arce, o oficial de Justiça só não começou a notificar antes os guaranis kaiowás devido à repercussão que o assunto ganhou nos últimos dias por causa da interpretação de uma carta que lideranças indígenas tornaram pública. No texto endereçado ao governo e à Justiça brasileira, os líderes indígenas falam na possibilidade de “morte coletiva” ao referir-se aos possíveis efeitos da decisão da Justiça Federal. Dizem que, após anos de luta, o grupo já perdeu a esperança de sobreviver “dignamente e sem violência” na região onde, segundo eles, estão enterrados seus antepassados. Por fim, informam, em tom de ameaça, que decidiram “integralmente não sair com vida e nem mortos” e pedem que, se for determinado que eles saiam da área, governo e Justiça enviem "vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar" os corpos. Embora a palavra suicídio não seja empregada nenhuma vez, a interpretação de que o grupo estaria ameaçando se matar em sinal de protesto gerou uma onda de comoção que ganhou as redes sociais e chegou a ser noticiada por veículos de imprensa internacionais. De acordo com o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), embora, na carta, o grupo não tenha falado em suicídio, mas sim “em morte coletiva no contexto da luta pela terra”, a medida extrema tem sido recorrente entre os índios. A organização afirma que a situação de confinamento em áreas exíguas, a falta de perspectivas, a violência aguda e a impossibilidade de retornarem às terras tradicionais a que estão sujeitos os vários grupos indígenas que vivem no estado levaram ao menos 555 índios a, isoladamente, tirar a própria vida entre os anos 2000 e 2011. Especificamente em relação aos guaranis-kaiowás, o Cimi lembra que, embora já haja 43 mil deles espalhados por Mato Grosso do Sul, apenas oito terras indígenas foram homologadas para o grupo desde 1991. De acordo com o Ministério Público Federal, até três meses antes de ocupar dois dos 762 hectares da Fazenda Cambará, os 170 índios viviam acampados às margens de uma estrada vicinal, na mesma cidade. Na noite de 23 de agosto, o acampamento foi supostamente atacado por pistoleiros que, segundo os índios, atearam fogo nas barracas e feriram várias pessoas. O MPF tratou o episódio como genocídio e pediu à Polícia Federal que apurasse as denúncias. Ainda segundo o MPF, a área ocupada faz parte de uma reserva de mata nativa, que não pode ser explorada economicamente e está sendo estudada por antropólogos da Funai que, em breve, devem divulgar suas conclusões.
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