terça-feira, 9 de junho de 2009

Afinal, o maior risco de extinção é da humanidade. Não é do planeta.

Enviado por Ateneia Feijó - 9.6.2009| 12h12m
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Bolsa-floresta?

A assinatura do primeiro contrato de crédito de carbono para preservação de florestas entre índios brasileiros e uma empresa estrangeira acontecerá nesta semana em Belém, no Pará. A notícia saiu em O Globo, no domingo, na reportagem especial "Índio não quer fumaça", de Liana Melo, com fotos de Márcia Foletto.

O assunto, que vinha sendo debatido há algum tempo, tomou seu rumo com a concordância dos índios tembés da reserva Terra Indígena Alto Rio Guamá, no noroeste do estado, em fechar negócio com a empresa norte-americana C-Trade (especializada em projetos de créditos de carbono florestais e energias renováveis). Nessa transação, os tembés devem receber R$ 1 milhão anuais por créditos de carbono armazenados na sua mata nativa. Um "armazém" que ocupa um quarto de seus 279 mil hectares de terras na divisa com o Maranhão.

Esse dinheiro, dividido mensalmente pelas famílias indígenas, será uma espécie de bolsa-floresta para o desenvolvimento de projetos sustentáveis na reserva. Tomara. Caso contrário, será uma operação assistencialista diante da condição de triste subsistência dos tembés. Pois, além de conviverem com a ação de madeireiros, eles têm tido sua reserva usada por traficantes para plantações de maconha. Mas, a partir da assinatura do contrato com a C-Trade, o dinheiro lhes chegará às mãos desde que fiscalizem e impeçam a derrubada das árvores na área a ser preservada.

Em seu blog, o antropólogo e ex-presidente da Funai, Mércio Gomes, afirmava, em 9 de fevereiro deste ano, que várias Ongs estariam seduzindo os índios brasileiros com promessas de conseguirem patrocínio (leia-se dinheiro) de empresas européias e norte-americanas para a preservação de florestas. Ou seja, de empresas que emitem muito CO² de suas fábricas e desejam compensar essas emissões criminosas pagando para quem mantenha vivas grandes matas detentoras de CO². Mércio levantava a questão: será que vale receber "uns trocados dos gringos" para que eles possam continuar a emitir CO², enquanto aqui não se emite? Haja polêmica.

Mais. O carbono estocado nas terras indígenas e reservas extrativistas brasileiras representa oito vezes o esforço global de reduções previstas pelo Tratado de Kioto. É o que diz o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, na reportagem de Liana Melo. Que bom. Ele evidencia também a importância das comunidades tradicionais na manutenção do clima global. Destacando: "Como estas populações acabam mantendo as florestas em pé, isto transforma os indígenas em potenciais beneficiários dos acordos internacionais para o enfrentamento das mudanças climáticas."

As populações indígenas estão crescendo. E deve se falar disso na Conferência do Clima que vai acontecer no fim do ano na Dinamarca, onde se colocará um novo paradigma para o século XXI na mesa. Quer dizer, um outro jeito de viver para enfrentar os efeitos do aquecimento e da escassez de água que, provavelmente, devem provocar uma crise alimentar no planeta.

Para contorná-la, busca-se uma nova agricultura "pós-revolução verde". Dos avanços da genética surgiram os alimentos transgênicos... Rejeitados pelos que defendem a agricultura diversificada. A bola da vez parece ser a agroecologia, que vem conquistando maiores espaços e mais pesquisas científicas. Só que, pela lógica, produção de comida tem a ver também com demografia. Entretanto, o planejamento familiar no Brasil continua tabu. Apesar dos índios de aldeias isoladas controlarem com rigor o número de nascimentos para manter o equilíbrio alimentar.

A história humana é dinâmica, com novas famílias que surgem e outras que desaparecem. Em cidades e florestas. Em montanhas e planícies. Por que essa obsessão de alguns defensores de comunidades tradicionais em obrigar pessoas a se aterem presas a territórios e costumes primitivos? Sem curiosidade de novos conhecimentos, de novos horizontes... Porém, incentivando-as contraditoriamente a ter cada vez mais filhos? Gostaria de entender. Defender uma cultura e suas tradições não significa marcha-ré.

Afinal, o maior risco de extinção é da humanidade. Não é do planeta.



Ateneia Feijó é jornalista e escritora. Trabalhou nos principais jornais e revistas do país - entre eles a extinta Manchete, o Jornal do Brasil e o Correio Braziliense

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