segunda-feira, 25 de maio de 2009

Indigenato Posse Imemorial

Indigenato Posse Imemorial


26.Mai.2009 | Wilson Matos da Silva*

Para João Mendes Junior, o indigenato não se confunde com a ocupação, com a mera posse. O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legitimo por si, "não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem.
A Lei Fundamental, independentemente de qualquer norma de menor hierarquia, fixou critérios capazes de possibilitar o reconhecimento jurídico das terras indígenas. Não se criou direito novo, as terras indígenas pertenceram aos diversos povos indigenas, em razão da incidência de direito originário, isto é, direito superior e precedente a qualquer outro que, eventualmente, se possam ter constituído sobre os nossos territórios.
A demarcação de nossas terras tem uma única e exclusiva função de criar uma delimitação espacial da titularidade indígena e de opô-la a terceiros. Ou seja, o que constitui os direitos sobre as nossas terras é a nossa própria presença a vinculação dos nossos povos à terra, cujo reconhecimento foi efetuado pela Constituição Brasileira.
Quando da expansão da sociedade brasileira, foram profundamente ignorados e desrespeitados, logo após a promulgação da Lei de Terras de 1850, nossos povos firam enxotados, escorraçados dos nossos territórios. Prevaleceu a idéia de que sesmarias e terras de aldeias, que não estivessem efetivamente ocupadas deveriam ser consideradas devolutas, retornando ao domínio público.
A Decisão n. 92 de 21/10/1850, publicada apenas um mês depois da Lei de Terras, fixou essa orientação, que foi rigorosamente seguida até os últimos dias do regime imperial. A decisão mandou incorporar aos próprios nacionais as terras de descendentes de índios que estivessem "confundidos na massa da população civilizada". Mas parte das chamadas "terras de índios" foi objeto de apropriações ilícitas.
Também tornou-se comum o aforamento em terras indígenas, segundo formas, aliás, nem sempre consideradas legais. Por isso, Se recomendava na mesma decisão, que apenas se considerassem devolutas, as terras que não estivessem ocupadas, sob qualquer título que fosse, até que o governo resolvesse sobre a validade ou não daquelas posses e aforamentos em terras indígenas.
Com a sobredita decisão n. 92, o encaminhamento político e administrativo dado às terras indígenas tornou-se arbitrário e nocivo aos interesses e direitos dos nossos povos. O patrimônio territorial indígena, protegido por títulos legítimos, foi definido por meio de uma nomenclatura imprecisa, sendo ora qualificado como "terras indígenas", ora como "antigas missões aldeias" e reservas indígenas que são os "confinamentos de índios". Em todos os casos, entretanto, ignoraram-se as legislações específicas que deram origem àquelas terras. A partir dessa simplificação, a administração imperial começou a produzir "avisos", "decretos" e "leis" sobre tais "terras indígenas", instituindo um poder discricionário que, a rigor, só era válido em relação às terras reservadas à colonização indígena criadas após a lei de 1850.
Em 1860. De acordo com a lei n. 1.114 , de 27/1860, em seu Art. 11, § 8, o governo ficou autorizado a (...) aforar ou vender, na conformidade da lei n. 601 de 18 de setembro de 1850, os terrenos pertencentes as antigas Missões e Aldeias dos índios, que estiverem abandonadas, cedendo todavia a parte que julgar suficiente para a cultura dos que nelles ainda permanecerem, e os requererem.
As decisões oficiais permitiram a desativação de grande número de aldeias, viabilizando a abertura das terras indígenas à venda e ao aforamento. Aos remanescentes indígenas restava somente a quantidade de terra que alguma autoridade local julgasse suficiente para eles. Mas tais índios tinham que ser identificados como "índios" para usufruírem o derradeiro direito
Segundo José Afonso da silva, os dispositivos constitucionais sobre a relação dos nossos povos com os nossos territórios e o reconhecimento de nossos direitos originários sobre essas terras, nada mais fizeram do que consagrar e consolidar o indigenato, velha e tradicional instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755. Firmara o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas." Núcleos de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor - pág. 48 - 1993)
No passado tão distante, aqui em nosso estado MS, aldeamentos inteiros foram incendiados, para dar lugar á criação de bois, muitas crianças indefesas foram carbonizadas em suas próprias ocas. Títulos de posse foram fabricados na calada da noite, inclusive com falsa cadeia dominial. Muitos dos facínoras enriqueceram e se destacaram tornando-se personalidades, com seus nomes nos livros exaltados como "valentes" desbravadores.

* É Índio residente na Aldeia Jaguapirú, Advogado, Pós-graduado em Direito Constitucional, Presidente da Comissão Especial de Assuntos Indigenas da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do MS (CEAI OAB/MS), e Advogado da Warã Instituto Indígena Brasileiro com sede em Brasília. E-mail matosadv@yahoo.com.br


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